
Nuno Gaspar de Oliveira
Coordenador GIS2 – Bioeconomia da BasN, Partner na NBI – Natural BusinessIntelligence.
Por esta altura, parece estranhamente desnecessário definir a “Biodiversidade”, de acordo com a Convenção daDiversidade Biológica. A dada altura, todos leram, ouviram ou concluíram que a biodiversidade não passa da diversidade de todos os seres vivos, quer do ponto de vista das espécies (genes, variações morfológicas, fenótipo…) quer do ponto de vista do ecossistema (nichos, habitats, biomas…). A biodiversidade é um fator chave no sequestro de carbono, na produção de oxigénio, na produtividade dos solos, no equilíbrio climático, na qualidade da água, no ciclismo mineral e, nos casos mais extremos, a única fonte conhecida de nutrientes orgânicos, desde os hidratos de carbono aos hidrocarbonetos. Em resumo, a biodiversidade é a vida expressa.Tem obviamente muito valor, e ainda assim, como valorizamos a Biodiversidade?
A questão central da avaliação da biodiversidade é, de facto, o quanto valorizamos a vida e por quanto tempo pretendemos preservá-la, seja a de um morcego da fruta em Wuhan ou de um humano em Gouveia. Todas as outras questões de um milhão de dólares em torno do (extremamente necessário) debate derivam de algo tão simples como este: Quanto vale afinal a vida?
Um lugar especial
Tanto quanto sabemos, o planeta Terra é o único lugar em todo o Universo conhecido onde os elementos físicos e químicos ‘decidiram’ expressar-se numa “forma viva”. O mais dramático de tudo isto é que, com toda o conhecimento existente, os humanos nem conseguem ter a certeza de que esta é a única maneira de expressar a vida, a forma orgânica. Platão lançou o aviso há 25 séculos. Ao sair da gruta prepare-se para ficar cego pela luz. No que nos diz respeito, somos mantidos na escuridão da (por vezes feliz) ignorância, temos de assumir a nossa inegável responsabilidade de cuidar desta ‘caverna’ (Terra) e usá-la sabiamente, pois tanto quanto sabemos, não há nada que nos proteja e nos alimente lá fora. Estamos sozinhos. E, como uma criança despreocupada, ficámos sozinhos com uma das coisas mais preciosas do Universo: a vida. E ainda debatemos, se devemos dar prioridade à preservação, estudo e conservação deste bem.
A história é feita de acidentes e indiferença
Nos últimos dois meses fomos finalmente atingidos pela terrível ironia: o grande pilar da economia de consumo tremeu e quase rachou, tudo por causa de um ‘problema técnico’ relacionado com o uso abusivo da biodiversidade e dos ecossistemas. Neste ponto, já todos lemos ‘milhentos’ artigo sobre a vingança da Natureza e de como o consumo de animais selvagens nos ‘brindou’ com o novo corona vírus SARS-CoV-2 e a epidemia daCOVID-19. Com mais de 3,5 milhões de humanos infetados (à data da escrita deste artigo), não será este o enésimo artigo a tentar explicar o assunto. Apenas deixar uma mensagem muito clara: os coronavírus existem, possivelmente há milhões de anos, e não são nenhuma maldição ou fogo de Gaia. São um dos muitos milhões de formas de ‘vida’ (ok, discutiremos se os vírus são formas de vida outro dia, vamos por agora admitir que sim) existentes no planeta e não nos acham particularmente especiais ou iluminados, apenas um belo veículo carregado de células adequadas à sua replicação. Para os coronavírus, a economia global é um detalhe irrelevante no grande livro da história da vida. Que continuará por muitos mais milhões de anos. Já os humanos…
Só podemos gerir o que podemos, pelo menos em certa medida, prever.
O conhecimento profundo da biodiversidade e dos ecossistemas tornaram-se fundamentais para a nossas obrevivência. Isto representa não só uma afirmação científica, mas um ponto de viragem filosófico, afastando o pensamento moderno do antropocentrismo de uma vez por todas. No entanto, a Humanidade não pode simplesmente “travar” e recomeçar. Os processos de civilização são imparáveis, e longe de ter um consenso cultural mundial, assistimos diariamente aos confrontos culturais e civilizacionais, de uma forma mais ou menos velada ou expressando-se como processos de guerra e mercados em curso. Estas disputas surgem frequentemente por questões vitais como a água, a energia e o acesso a recursos naturais e solos produtivos.
Assim, num mundo humano ainda altamente motivado por questões territoriais, por vezes disfarçadas de argumentos culturais ou políticos, onde é que temos fundos para proteger os recursos vivos? É aqui que todo o processo de valorização da biodiversidade a encontra uma grande barreira. São necessárias grandes quantidades de recursos económicos, tecnológicos e humanos para compreender o valor da biodiversidade, que acabou por ser reconhecida como a derradeira hipótese de prosperarmos de forma segura neste pedaço flutuante de rocha que se passeia em torno do Sol.
Não parem o carrossel, quero continuar!
O mundo da revolução científica, tecnológica e industrial em que vivemos foi construído com o pressuposto de que, mesmo depois de concluir que todos os recursos tendem a escassez após uma utilização intensiva, todos os recursos disponibilizados pela tecnologia humana devem ser utilizados para criar um desenvolvimento social e económico. Se isto não fosse verdade, a hipótese de estar a escrever este texto num computador portátil seria diminuta. E é por isso que não podemos simplesmente “parar o carrossel” e voltar aos tempos anteriores à”Spinning-Jenny”, o modelo do crescimento com base na esperança por um futuro mais próspero mudou o mundo e, em boa verdade, resultou! Mesmo sob as severas condições de enjoo derivado da eterna rotação em torno do carrossel, temos de encontrar uma maneira de prosseguir o passeio em harmonia, em vez de insistirem não estamos a ver as porcas e parafusos a saltar da estrutura metálica que nos manteve equilibrados durante todas estas eras.
A História da Humanidade, a nossa diversidade cultural e os impulsos primários, bem como as mudanças filosóficas que ocorreram na sociedade ocidental após o pós-guerra são fatores decisivos para prosseguir na compreensão destes fenómenos multi escala. Sendo assim, há uma enorme necessidade de explorar a perspetiva ambiental, social e económica da gestão da biodiversidade como uma chave para o desenvolvimento sustentável. Obviamente, dentro de uma área tão vasta e ampla gama de assuntos, precisamos olhar para
bons exemplos e encontrar boas histórias para contar às pessoas, então talvez, apenas talvez, possamos trazer alguma inspiração para o desafio de uma grande transformação que se seguiu. E acho que há apenas o exemplo certo para se olhar, as abelhas e afins.
Buzz Words
Em resumo, a razão por trás da escolha de abelhas é porque se trata de um grupo de insetos amplamente diversificado que acolhe polinizadores como abelhas de mel e uma grande diversidade de polinizadores silvestres, em grande parte subvalorizados, assim como predadores como a maioria das vespas, e muitas espécies benéficas, incluindo uma grande variedade de vespas parasitas cruciais para a agricultura, proporcionando assim uma boa riqueza geral da riqueza potencial e diversidade de nichos e habitats.
As abelhas e as vespas podem prosperar tanto em habitats naturais como semi naturais como paisagens agrícolas e espaços verdes urbanos. Devido ao seu uso vital e ao seu valor não utilizado, a singularidade e escassez de alguns desses habitats, bem como a importância económica e social que alguns têm para as populações rurais, e a ligação entre a existência de alguns habitats específicos e as técnicas antigas de agricultura e silvicultura são fundamentais para conceber abordagens estratégicas de sustentabilidade regional.
As abelhas e vespas permitem a criação de miríades de opções de design inteligente de habitats, infraestruturas ecológicas e soluções de base natural, que evoluem, circulam e se transformam. Esta é a base da Bioeconomia, refletida no profundo entendimento dos fenómenos ambientais e ecológicos e desenhada para diversificar opções em vez de criar modelos únicos de crescimento, onde os recursos não são infinitos, mas podem criar loops de valorização e criação de novas opções praticamente e infinitos. Uma economia de base natural que abre hipóteses e prospera com a criatividade e o uso inteligente de meios, recursos e serviços dos ecossistemas. Enfim, uma economia que não faz a Terra girar, mas existe porque, todavia, ela gira.
Latim para o Séc. XXI
Um antigo ditado diz-nos ” Si sapis, sis Apis”, o que significa que, se desejar sabedoria, goste da abelha. As abelhas vivem em sociedades avançadas, em muitos aspetos semelhantes às nossas. No entanto, as abelhas parecem conscientes da sua dependência dos recursos naturais circundantes, e fizeram um “pacto” com as flores.
Em troca de pólen e néctar, as abelhas atuam como polinizadores, promovendo os ciclos de vida biológicos, tornados vibrantemente visíveis a cada primavera, pois independentemente das ameaças que esta traga, as abelhas Bioeconómicas vão sempre focar-se nas opções que podem ser criadas e aproveitadas. E, tal como as abelhas, temos de transitar para modelos sociais mais equilibrados, onde a “colheita” pode estar em equilíbrio com a “sementeira”, mas dadas as quantidades alargadas de perdas ecológicas, encontramo-nos num momento particular da história em que temos mesmo que restaurar ecossistemas multifuncionais e melhorar as soluções baseadas na natureza, esta tem que ser a nossa prioridade máxima.
Mais do que sobreviver à COVID-19 e ao estado de fragilidade e tensão a que a economia fóssil (em vários sentidos) chegou com três meses de ameaça biológica, temos mesmo que sustentar os novos modelos económicos de forma a garantir que a próxima “primavera” viverá menos de ameaças e mais de oportunidades, será mais vibrante e cheia de vida, mesmo depois deste longo e duro “inverno” de degradação ecológica e prosperidade a todo o custo.